Donald Trump intensifica sua ofensiva para conter a crescente influência da China na América Latina, buscando reafirmar o domínio dos Estados Unidos em uma região historicamente considerada seu “quintal”. A estratégia, que mescla diplomacia e pressão econômica, coloca os países latino-americanos em uma posição delicada, no centro de uma disputa entre as duas maiores economias do mundo.
Na semana passada, o presidente americano enviou o secretário de Defesa, Pete Hegseth, ao Panamá, em um movimento para reafirmar o controle dos EUA sobre o Canal do Panamá. Na segunda-feira (14), Trump recebeu o presidente salvadorenho Nayib Bukele, um aliado próximo, na Casa Branca. Simultaneamente, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, visitou Buenos Aires, onde reiterou o desejo dos EUA de que a Argentina reduza sua dependência do financiamento chinês.
Essa ofensiva diplomática visa conter a expansão da China na América Latina, onde o país asiático se consolidou como um dos principais financiadores, um dos maiores parceiros comerciais e um desafio crescente para a hegemonia americana.
“O que estamos tentando evitar que aconteça é o que ocorreu no continente africano”, declarou Bessent em entrevista à Bloomberg Television em Buenos Aires. “A China assinou uma série de acordos predatórios disfarçados de ajuda, nos quais adquiriu direitos minerais e adicionou enormes quantidades de dívida aos balanços desses países.”
“Eles estão garantindo que as futuras gerações serão mais pobres e sem recursos, e não queremos que isso aconteça mais do que já aconteceu na América Latina”, acrescentou.
A intensificação da batalha entre as duas potências coloca os governos latino-americanos, do México à Argentina, diante de uma realidade desafiadora: os dias de fazer grandes negócios com Pequim sem enfrentar retaliações de Washington estão contados. Essa mudança ameaça forçá-los a escolher um lado na disputa.
“Provavelmente será um caminho mais acidentado daqui para frente do que foi nas últimas duas décadas”, avalia Matias Spektor, professor de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas em São Paulo.
A Ascensão da China na América Latina
A China consolidou sua presença na América Latina no início do século XXI, impulsionada pela demanda por matérias-primas da rica região sul-americana. O país asiático injetou grandes volumes de capital na região, tornando-se o principal parceiro comercial de muitos países, superando os Estados Unidos.
A Iniciativa do Cinturão e Rota, o principal programa de desenvolvimento econômico da China, também desempenhou um papel importante na expansão da influência chinesa na América Latina. Mais de uma dúzia de nações latino-americanas aderiram à iniciativa.
Apesar do discurso crítico de Trump durante sua primeira presidência, a China continuou a avançar na região, com empresas chinesas assumindo grandes projetos, como o metrô de Bogotá, na Colômbia, e o porto de Chancay, no Peru. Pequim também conquistou apoio ao fornecer ajuda e suprimentos médicos durante a pandemia de Covid-19.
A Contraofensiva de Trump
Desta vez, Trump adota uma abordagem mais agressiva, criticando os supostos perigos econômicos dos veículos chineses no México e as operações chinesas no Canal do Panamá. O presidente americano chegou a ameaçar “retomar” a via navegável, construída pelos EUA há mais de um século.
Trump também implementou medidas que podem prejudicar a presença chinesa na região. Os EUA anunciaram “tarifas secundárias” sobre países que compram petróleo da Venezuela, cujo maior comprador é a China. Além disso, um grupo de investidores liderado pela BlackRock anunciou a compra de portos nas duas extremidades do Canal do Panamá, controlados pela CK Hutchison, um conglomerado de Hong Kong.
No entanto, a estratégia de Trump é considerada arriscada, já que a China continua a adotar uma abordagem mais amigável na região. O presidente chinês Xi Jinping se apresentou como um defensor da globalização econômica durante cúpulas no Peru e no Brasil no ano passado.
“A China responderá com cenouras”, prevê Michael Hirson, chefe de análise da China na 22V Research em Nova York. “Eles têm sido habilidosos em gerenciar as mudanças políticas aqui, mesmo enquanto Brasil e Argentina oscilam entre governos de esquerda e de direita.”
Washington, por outro lado, parece apostar apenas em “bastões”. Bessent afirmou que espera que a Argentina pague sua linha de swap de US$ 18 bilhões com a China, mas descartou negociações para uma linha de crédito do Tesouro dos EUA.
Os EUA forneceram cerca de US$ 2,5 bilhões em assistência externa às nações latino-americanas no ano fiscal de 2024, mas o futuro dessa ajuda é incerto, devido aos esforços de Trump para desmantelar a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID).
“A América Latina não verá os EUA operando com o conjunto completo de ferramentas necessário para realmente competir”, avalia Hirson.
A Divisão da América Latina
O sucesso da campanha de pressão de Trump dependerá da dependência econômica de cada país em relação aos EUA. Christopher Garman, diretor administrativo da consultoria de riscos políticos Eurasia Group, prevê uma divisão entre os países mais próximos da fronteira dos EUA e os países do sul.
México, América Central e, em menor medida, a Colômbia, estão “casados com a economia dos EUA. Eles têm nove filhos, não há divórcio”, afirma Garman.
As maiores nações da América do Sul, no entanto, provavelmente serão mais difíceis de influenciar. O comércio entre Brasil e China cresceu consistentemente, tanto sob o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quanto sob seu antecessor, Jair Bolsonaro. Os fluxos comerciais totalizaram cerca de US$ 178 bilhões no ano passado, quase o dobro do valor com os EUA.
Após os anúncios de tarifas de Trump, a China começou a aumentar suas compras de soja brasileira.
O presidente argentino Javier Milei, que se posicionou como o líder mais simpático a Trump no continente, também adotou um tom mais amigável em relação à China desde que assumiu o cargo. Milei, que chamou a China de “assassina” durante a campanha, rotulou o país asiático como um “grande parceiro comercial” e prometeu “aprofundar a relação comercial” entre as duas nações.
“Milei buscar um acordo de livre comércio com um país que está se tornando mais protecionista é como bater a cabeça contra a parede”, analisa Jimena Zuniga, analista de Geoconomia da América Latina na Bloomberg Economics. “Ele sabe que precisa diversificar.”
Em resumo:
- Trump intensifica ofensiva para conter influência chinesa na América Latina.
- EUA pressionam países latino-americanos a reduzir dependência da China.
- China se consolidou como principal parceiro comercial de muitos países da região.
- Trump adota estratégia agressiva, criticando presença chinesa e impondo tarifas.
- EUA e China disputam influência na região, com diferentes abordagens.
- Dependência econômica dos EUA divide países latino-americanos.
- Brasil e Argentina mantêm relações comerciais fortes com a China.
Sou Felipe Ayan, um apaixonado pelo mercado financeiro. Desde cedo, me encantei com o poder que o conhecimento financeiro tem de transformar vidas. Ao longo dos anos, mergulhei de cabeça nesse universo, estudando, investindo e compartilhando tudo o que aprendo.